Após sete anos, Chacina de Belo Oriente ainda é “mistério”

Enquanto o assassino do detetive Lahyre está  preso após ser condenado a 14 anos, autores da matança que vitimou família de Juliano Ferreira não foram sequer identificados

BELO ORIENTE – Há sete anos, dois meses e um dia, acontecia em Belo Oriente um dos crimes mais bárbaros da história do Vale do Aço: uma chacina que ceifou a vida de três pessoas e que até hoje permanece sem elucidação.

O repórter Rodrigo Neto, executado em Ipatinga há  uma semana com três tiros, denunciou à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado a participação policiais no crime. O jornalista acompanhou o desenrolar da história e sempre buscou, por meio de seus trabalhos, rememorar o caso em busca de soluções. Quando a tragédia completou um ano sem solução, Rodrigo apresentou um programa especial sobre o caso na rádio em que trabalhava.

Foram assassinadas Terezinha Caetana Batista Gomes, de 46 anos, o filho dela, Paulo Felipe Cândido Alves Ferreira de 16 anos, e Heraldo Ciro de Souza, de 25 anos, genro de Terezinha. Elas dormiam no momento em que a residência foi invadida por cinco homens armados que disparam contra os moradores. Além das vítimas fatais, estavam na casa Ana Cláudia Cândido, de 19 anos, que estava grávida de oito meses e uma criança de cinco anos. As duas escaparam da matança.

Os três mortos eram, respectivamente, mãe, irmão e cunhado de Juliano Batista Ferreira, que meses antes havia tirado a vida do detetive da Polícia Civil Lahyre Paulinelli. Após uma discussão com Lahyre, Juliano procurou o policial em sua residência e efetuou quatro disparos contra o detetive, que não resistiu aos ferimentos. Após o crime, Juliano conseguiu fugir, mas sua família passou a ser misteriosamente retaliada.

O primeiro indício de perseguição aconteceu três dias após a morte de Lahyre, quando o pai, a mãe e a irmã de Juliano foram internados com um quadro de intoxicação alimentar provocada por veneno usado para matar ratos. Momentos antes da internação, policiais estiveram na casa de Juliano à procura do então suspeito de matar o detetive.

Após um mês do assassinato de Lahyre, o irmão mais novo de Juliano, Paulo Felipe de Oliveira Ferreira, sofreu uma tentativa de homicídio no Centro da cidade. Ele foi alvejado com dois tiros nas costas, encaminhado ao Hospital Márcio Cunha, em Ipatinga, e sobreviveu.

Juliano foi encontrado no fim de 2005, na cidade de Cacoal, em Rondônia. Apurações da Polícia Civil deram conta da existência de familiares do assassino do detetive na região. Após averiguações, Juliano foi encontrado em uma fazenda e trazido para o Vale do Aço.

Entretanto, mesmo com a prisão, as retaliações contra a família não terminaram e no início de janeiro de 2006, outro irmão de Juliano, Jardel Cândido Alves Ferreira, foi assassinado por dois homens encapuzados enquanto estava em um bar de Belo Oriente. Já no dia 14 de janeiro do mesmo ano viria a acontecer o episódio mais trágico desta história: a chacina.

O caso provocou comoção na região e trouxe para o Vale do Aço policiais da Delegacia de Homicídios de Belo Horizonte, que assumiram as investigações do crime. A hipótese de que policiais tenham participado da chacina sempre foi considerada. O delegado Fausto Ferraz foi o responsável pelo inquérito e concluiu as investigações pouco antes de se aposentar, em meados de 2012: ninguém foi indiciado. Os autos foram remetidos à Comarca de Açucena, mas não apontou nenhum culpado.

Em março de 2008, Juliano foi condenado a 14 anos de prisão e encontra-se preso na Penitenciária de Segurança Máxima Nelson Hungria, em Contagem. Os parentes de Juliano que sobreviveram ao massacre não moram mais em Belo Oriente e chegaram a ser incluídos em um programa de proteção a testemunhas. Na cidade, a rua onde está localizada a delegacia da Polícia Civil leva o nome do detetive Lahyre Paulinelli, morto por Juliano. (*Comitê Rodrigo Neto – Matéria publicada em homenagem ao trabalho desenvolvido pelo jornalista Rodrigo Neto que, enquanto atuou, cobrou incessantemente das autoridades uma solução para o caso).

Na cidade, o medo impera




BELO ORIENTE - Na rua Nossa Senhora do Carmo, bairro Santa Terezinha, onde ocorreu o crime, o silêncio tomou conta dos vizinhos. O caso não é comentado pelos moradores e, quando questionados sobre o que ocorreu no dia 14 de janeiro de 2006, a resposta é sempre a mesma: “Ninguém sabe, ninguém viu”.

Uma senhora que mora próximo à casa onde aconteceu a tragédia foi abordada pela equipe do Comitê Rodrigo Neto e prontamente conversou com os repórteres. Quando o assunto da chacina foi colocado em discussão, ela se esquivou e foi embora.

“Sobre isso eu não falo. Converso qualquer assunto com vocês, mas sobre a morte dessa família eu não vou falar nada. Primeiro porque eu não sei e segundo que isso já faz muito tempo não tem por que ficar lembrando”, declarou.

Um vizinho da casa onde ocorreu a chacina disse que no dia ele não saiu na rua em nenhum momento, tudo por medo dos executores voltarem ao local. “Minha sobrinha namorava um dos jovens que foi morto na casa. Ela gritava para eu ajudar o garoto na hora dos disparos, mas eu tranquei a casa toda e não saí em nenhum momento e nem deixei ela ir para fora”, conta.

Ainda apreensivo para falar sobre o tema, o vizinho declarou que esse episódio tem que ser esquecido por todos. “Aqui ninguém comenta sobre esse crime, pois acreditamos que foi uma execução envolvendo muita gente importante. Ainda essa semana uma repórter foi morto em Ipatinga porque ele investigava esse inquérito. Acho melhor vocês desistirem disso”, aconselhou.

A dona da casa onde aconteceu a tragédia, na época alugava o imóvel para Terezinha Caetana Batista Gomes, de 46 anos, uma das vítimas da chacina. Passados sete anos, a aposentada ainda não gosta de comentar sobre o crime.

No momento em que os repórteres do Comitê Rodrigo Neto conversavam com a proprietária do imóvel, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, um de seus filhos adentrou na residência e com tom de agressividade orientou a mãe a não falar sobre o caso. “Mãe, a senhora não pode ficar conversando demais sobre esse assunto. Você viu o que aconteceu lá em Ipatinga com o repórter que estava investigando o caso e acabou morrendo. A senhora quer trazer esse problema para sua vida?”, gritou o filho.

A chacina de Belo Oriente até hoje amedronta os moradores do local. Após orientar a mãe a não dar depoimento sobre a tragédia, o jovem se exaltou com a presença dos repórteres em sua casa e pediu para não mais ser incomodado com esse assunto. “Minha mãe vive sozinha aqui nesta casa, daí vêm vocês querendo fazer matéria com ela sobre esses assuntos que não nos dizem respeito. Espero que a presença de vocês (repórteres), não venha trazer perseguição para minha família”, disse. A Record de Belo Horizonte, que também realizava reportagem para exibir no programa Domingo Espetacular, também ouviu os desabafos.

Mesmo apreensiva, a aposentada deixou que a equipe da reportagem entrasse na sua casa, local onde foi a chacina e mostrou que mesmo depois de reformar o imóvel, ainda existem sinais da brutalidade como marcas dos disparos. “Não sei de nada sobre esse assunto, pois no dia eu estava em Ipatinga na casa da minha filha e esse imóvel é meu, mas era alugado na época pela família que foi morta. A única coisa que posso mostrar são as marcas de tiro no chão que ainda existem”, relata. (*Comitê Rodrigo Neto – Matéria publicada em homenagem ao trabalho desenvolvido pelo jornalista Rodrigo Neto que, enquanto atuou, cobrou incessantemente das autoridades uma solução para o caso).

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário. Mensagens desrespeitosas não serão publicadas.